domingo, 29 de junho de 2008

A DEMOCRACIA ESTÁ SATURADA

Panorama partidário está em mutação

Crise de representação e legislativas em 2009 levam à emergência de novas formações partidárias

00h00m

Por Elmano Madail ( http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=962661 )

O universo político-partidário português está em mutação - aparente, pelo menos - com movimentações de velhos actores, a erupção de novos projectos e a preocupação dos sobreviventes de menor escala.

Uma agitação como há muito não se via, e que sugere a possibilidade de reconfiguração da luta pacífica pela conquista e manutenção do Poder com as eleições legislativas de 2009 no horizonte.

Os primeiros ensaios, segundo alguns analistas, ocorreram com as ameaças de federação de movimentos e partidos à Esquerda, sugerida pelo comício que juntou militantes do Bloco de Esquerda (BE), entre os quais Francisco Louçã, renovadores comunistas e ainda socialista históricos, como Manuel Alegre, no Teatro Trindade, em Lisboa, e a eventual reedição do Bloco Central (coligação do PS com o PSD), embora prontamente rejeitada pelos responsáveis rosa e laranja.

As manobras mais recentes assistem à emergência de novos partidos: o mais mediatizado, o Movimento Esperança Portugal (MEP), liderado por Rui Marques, entregou anteontem cerca de 10 mil assinaturas, recolhidas nos últimos três meses, ao Tribunal Constitucional (TC) para homologação como partido, tal como sucedeu, em Maio, com o Movimento Mérito e Sociedade (MMS), de Eduardo Correia.

Em curso está a recolha de assinaturas, para os mesmos efeitos, do movimento "Portugal pró Vida", coordenado por Luís Botelho Ribeiro.

Após anos de relativa estabilidade do espectro político-partidário português, ocorre perguntar o porquê desta efervescência relativa num universo cada vez menos apreciado pelo cidadão comum. E, mais do que isso, tentar perceber em que medida é que a introdução de novos actores no jogo político poderá influenciar, e em que sentido, esta Democracia que é, afinal, ainda tão jovem.
Caso as intenções de Luís Botelho Ribeiro e de Rui Marques se concretizem, o panorama nacional será alargado para 17 formações partidárias legítimas, apesar de apenas seis terem, actualmente, representação parlamentar (com "Os Verdes", partido satélite do PCP, integrado na coligação comunista).

Embora longe de configurar a explosão de associações, movimentos e partidos que redundaria na multiplicação de siglas observada com o advento do 25 de Abril de 1974 -  que pôs termo a meio século de partido único em Portugal, chamado União Nacional e substituído, em 1970, pela Acção Nacional Popular -, esta tendência beneficia, desde logo, do sistema eleitoral português.

Mudanças globais, sequeiro socialista

Explica João Cardoso Rosas, professor de Ciências Sociais e Políticas da Universidade do Minho, que "os sistemas maioritários, como é o caso do Reino Unido, favorecem o bipartidarismo, porque os votos dos partidos mais pequenos são para 'deitar fora', o que é muito mais difícil num sistema proporcional como o português", onde, segundo António Costa Pinto, docente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, "os votos concentrados permitem a um pequeno partido eleger dois ou três deputados".

O que depende sempre do eleitorado. O qual, acreditam os mentores das novas formulações partidárias, se encontra agora mais disponível para acolher alternativas. "É uma questão de estrutura de oportunidade política", diz Costa Pinto. Isto acontece porque há uma deflação da carga ideológica dos partidos tradicionais, observada desde a derrocada do Muro de Berlim, em 1999, que arrastou na queda a utopia do socialismo científico. Depois, a par da globalização e correlativa emergência do primado do mercado livre, mingou muito a margem de manobra por imposição da União Europeia. Mas a complexidade dos problemas, essa, cresceu.

"Perante o conjunto de desafios emergentes - ambiental, económico, de segurança - os partidos criados após o 25 de Abril não têm dado respostas adequadas", diz Viriato Soromenho-Marques. O catedrático da Universidade de Lisboa afirma que, neste contexto de "desencantamento do eleitorado", há três respostas possíveis: "A criação de novos partidos; a reforma dos existentes; a criação de organizações da sociedade civil fora do sistema partidário mas com capacidade de intervenção política".

Se o peso crescente das organizações não-governamentais lhe parece evidente (designadamente na área ambiental), já a reforma dos actuais partidos não a acha possível, à excepção do PSD, sob pena de entrar em decadência irreversível: "O BE não tem uma estrutura sólida; o PCP é muito orgânico e, por definição, não se reforma; o PS está no Governo e não se pode dedicar a mais nada; o CDS é, cada vez mais, um partido de elite urbana e cada vez menos de eleitores", refere Soromenho-Marques.

Resta, pois, a novidade partidária, cujo florescimento actual é devido, na óptica mais restritiva de Cardoso Rosas, "ao reposicionamento ideológico e político de José Sócrates. Ao encostar-se ao centro, abriu mais espaço de manobra à Esquerda enquanto provocava também uma crise à Direita ao ocupar o espaço tradicional do PSD". Ora, é sabido que os sistemas em geral, e o político-partidário em particular, padecem do horror ao vazio.

A fatalidade da irrelevância

A ocupação das franjas não é inédita, nota Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro, salientando a multiplicidade da extrema-esquerda ao tempo do Processo Revolucionário Em Curso (1975), e, passada a fase revolucionária, a emergência de partidos de causa, referindo, a título de exemplo, o Partido de Solidariedade Nacional (PSN), congregador das reivindicações dos reformados.

Aquele partido, liderado por Manuel Sérgio, embora vislumbrasse o limiar de sobrevivência - "conseguir representação parlamentar, porque dificilmente há segunda oportunidade" - a conjuntura foi-lhe desfavorável: "Um pequeno partido só singra se for decisivo para o equilíbrio do poder dentro do Parlamento. O PSN elegeu um deputado em 1991, num contexto de maioria absoluta do PSD, pelo que não teve grande relevância", assinala, observando que o BE, nesse aspecto, "teve sorte, porque elege dois deputados, em 1999, cruciais na constituição de maiorias para a viabilização de iniciativas governamentais, adquirindo assim poder negocial relevante".

O PRD foi paradigmático. Surgido em 1985 com o apoio de Ramalho Eanes, então presidente da República, aproveitou os efeitos demolidores da política de austeridade do Executivo do Bloco Central (1983-85) e conseguiu eleger 45 deputados, tornando-se uma força política de charneira (entre PS e PSD), decisiva para a manutenção do Governo minoritário de Cavaco Silva, ao qual desfere o golpe mortal em 1987 com uma moção de censura. Um gesto suicidário, de resto: elege apenas sete deputados nesse ano, em que Cavaco alcança a primeira maioria absoluta, e desaparece nas legislativas seguintes. Foi "comprado" pelo actual Partido Nacional Renovador, de Extrema-Direita.

As franjas da sobrevivência

Ter relevância para assegurar a sobrevivência será, pois, o grande desafio dos neófitos. Ora, se o contexto actual é de feição aos debutantes, os analistas dividem-se sobre o posicionamento mais favorável à afirmação. Para Soromenho-Marques, será no centro-Esquerda, porque "hoje há uma espécie de Bloco Central ideológico - não há destrinça entre PS e PSD". E adianta a fórmula: "Uma facção do PS que retire terreno ao BE, cujos eleitores são muito pragmáticos e sem grande lealdade. Portanto, este será este o terreno mais favorável", diz, relevando que "à Direita não surgirá nada. Porque se Paulo Portas não conseguiu, mais ninguém o fará nessa área", garante. A tibieza do Partido Nova Democracia (PND), de Manuel Monteiro, ou do PNR, ou até do Partido Popular Monárquico, tendem a dar-lhe razão.

Jalali discorda, invocando razões históricas: "Há mais margem para crescer à Direita. A Esquerda está muito ocupada, reflectindo a natureza da transição para a nossa Democracia. Há um momento no PREC em que os partidos à Direita têm de fazer uma inflexão à Esquerda para sobreviverem (o CDS introduz o 'centro' no nome, e o PSD chega a pedir a adesão à Internacional Socialista). Além do CDS e do PSD, ambos com posicionamentos antigos, há o PNR, que está a ser isolado do espaço legítimo, e o PND, que não singrou".

Não obstante, é no centro que aquele analista aposta a hipótese de sobrevivência maior, e num partido específico: "O MEP. Num contexto de baixa identificação partidária, poderá aproveitar o eleitorado móvel do centro, desencantado com as duas alternativas de Governo numa altura de recessão prolongada", diz, vincando a vantagem daquele sobre os outros: "O facto do seu líder ter uma visibilidade anterior à constituição do partido - além de ter sido alto-comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural, Rui Marques ficou célebre com a operação Lusitânia Express em prol de Timor-Leste - permite-lhe ultrapassar algumas barreiras substanciais que os novos partidos enfrentam: falta de financiamento do Estado; falta de militantes que minimizem a carência de recursos; e conseguir impacto mediático para dar a conhecer as suas propostas".

Efeito de renovação da agenda

Por fim, há quem não vislumbre grande futuro para nenhum dos neófitos. Para Costa Pinto, "à Esquerda, o sistema partidário está congelado, porque o BE e o PCP têm conseguido dar expressão a esse eleitorado; à Direita, verificamos que o CDS não capitaliza intenções de voto com a crise do PSD. Portanto, sem agravamentos súbitos das condições económicas até 2009, não teremos a emergência de novos actores político-partidários que valham", prevê.

Porque afinal, "todos os estudos mostram que os partidos mais antigos são marcas consagradas às quais se mantêm fiéis os eleitores portugueses na altura de votarem", diz Soromenho-Marques, muito dubitativo em relação "aos partidos dedicados a uma ou duas causas. É o que se chama um equívoco, é confundir um sindicato com um partido", assinala. E os erros, em política, pagam-se caro.

Apesar de tudo, há aspectos positivos na emergência de novos actores políticos. Para Cardoso Rosas, por serem "iniciativas que vêm da sociedade civil que chamam a atenção para algumas causas", constituindo, de acordo com Soromenho-Marques, "um estímulo significativo para mudar os tradicionais. Porque percebem o sinal. Mesmo que não estejam ameaçados eleitoralmente".

 

O nosso José...


O Sócrates vai a uma festa de um empresário importante. Mas, ao chegar à enorme mansão, foi barrado pelo segurança.

- 'Desculpe, senhor, mas sem convite não posso deixá-lo entrar’.

- 'Mas, eu sou o Sócrates, o Primeiro-ministro!'

- 'Então, mostre-me os seus documentos.'

- 'É que também não tenho os documentos, esqueci-me da carteira.

- 'Desculpe-me, mas não vou poder deixá-lo entrar.'

- 'O que? O senhor nunca me viu na TV? Olhe bem para a minha cara!'

- 'De facto, o senhor é muito parecido com o Primeiro-ministro, mas sabe como é...existem muitos sósias do Sócrates por aí... o senhor vai ter de provar que é realmente o José Sócrates.'

- 'Mas o que quer que eu faça?'

- 'Não sei. O Cristiano Ronaldo também se esqueceu dos documentos, eu dei-lhe uma bola de futebol e ele fez uma demonstração que logo me convenceu. A Mariza também se esqueceu dos documentos e fez uma demonstração que provou ser quem dizia ser.'

- 'Porra, mas eu não sei fazer nada!'

- 'Desculpe-me pelo inconveniente Sr. Primeiro-ministro. Pode entrar.'

Uma das melhores piadas sobre o Sócrates... A não perder e adivulgar!!!!



Sócrates queria um selo com a sua foto para deixar para a posteridade o seu mandato no Governo deste país que está de tanga. Os selos são criados, impressos e vendidos. O nosso PM fica radiante! Mas em poucos dias ele fica furioso ao ouvir reclamações de que o selo não adere aos envelopes.

O Primeiro-ministro convoca os responsáveis e ordena que investiguem o assunto. Eles pesquisam as agências dos Correios de todo o país e relatam o problema.

O relatório diz:
"Não há nada de errado com a qualidade dos selos. O problema é que o povo está a cuspir no lado errado."

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Portugal - A realidade

 

 

 

Cem anos de serena República, JCdasNeves, DN080609

Consulte a Agenda do Povo em: http://o-povo.blogspot.com/

Alegre, o Bloco, a poesia e a fatal igualdade na pobreza

O fim de uma época

O outro Maio de 68

Petição FAMÌLIA-CIDADANIA-CASAMENTO

Profecias políticas

Já parece gente…

 

CEM ANOS DE SERENA REPÚBLICA


João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

 

Acaba de ser nomeada a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República. Apesar dos problemas e percalços, o nosso regime merece celebrar cem anos com festejos serenos e elevados. Afinal a nossa é a República mais longa da Europa depois das pioneiras mundiais, a "mui serena República de San Marino" com 1700 anos e a Suíça de 700 anos. As demais, ou começaram depois ou foram interrompidas entretanto.

Só graças à revolução de 1974 é possível celebrar condignamente a revolução de 1910. A turbulência inicial e a ditadura seguinte puseram-no em risco, mas a actual democracia olha com confiança o passado e esperança o futuro. Os festejos devem marcar essa tranquilidade. Só questões de regime e religião a poderiam ensombrar, mas sem razões para tal.

Celebrações da República serão sempre dolorosas para os monárquicos. Mas o seu patriotismo deve regozijar-se com a paz que hoje rodeia a questão do regime. O século XIX viveu em permanente sobressalto, entre absolutistas e liberais, monárquicos e republicanos. Ganhamos muito por, mal ou bem, a questão ser agora pacífica.

Quanto ao tema religioso vivemos duas gerações após Afonso Costa dizer no Grémio Lusitano a 26 de Março de 1911 que "em duas gerações terá eliminado completamente o catolicismo" (O Tempo, 27 de Março de 1911). A verdade é que a Igreja viveu melhor nos cem anos da República que nos dois séculos anteriores.

Muitos esquecem como o abraço sufocante do absolutismo e o estrangulamento cínico do liberalismo foram terríveis para a fé. É verdade que se pode dizer que Afonso Costa fez pior que o Mata-Frades e Salazar instrumentalizou mais que Pombal. Pode falar-se dos problemas da actual Concordata e dos obstáculos tolos à acção da Igreja. Apesar disso, nos últimos 300 anos só a nossa República viveu verdadeira liberdade religiosa.

Celebra-se, não a violência cruel e tonta, mas o espírito cristão com que foi suportada. Prova-o logo a Pastoral Colectiva do Episcopado português de 24 de Dezembro de 1910, com que os bispos reagiram à terrível perseguição (agora republicada em Síntese - revista de actualidades eclesiais de D. Serafim Ferreira e Silva, n.º 188-190, Jan.-Jun./2008).

No documento os prelados começam por dizer-se "acusados por vezes de demasiada prudência e longanimidade" (I) e até afirmam que "nos é agradável aplaudir algumas medidas do Governo Provisório" (III). Mas asseguram que "angustiosa, gravíssima é a crise por que está passando a nossa pátria sob o aspecto religioso" (I). Citando autores tão variados como Pasteur e Bismarck, Montesquieu e Gambetta, os bispos fazem profunda análise e cuidada fundamentação, tratando serenamente os terríveis estragos na educação e saúde, pobreza e aldeias, colónias e famílias.

A conclusão é clara: "Em face das instituições actuais qual é o dever dos católicos portugueses? Acatá-las, sem pensamento reservado" (III). Os padres devem "tomar sumamente a peito os interesses do povo, particularmente os dos operários e dos jornaleiros agrícolas" (IV). O texto quase considera a perseguição como normal: "Devemos porventura estranhar que assim suceda? Poderá a luta actual causar-nos surpresa? (...) [A Igreja] desde que nasceu, não conheceu tréguas (...) E venceu! Como? Resistindo? Revoltando-se? ... Não! Sofrendo" (I).

O nosso tempo precisa de novo desta verdadeira atitude cristã. Lisboa tem dela um símbolo insólito mas evidente. A Igreja de S. Domingos ao Rossio é das mais movimentadas do País, com milhares de pessoas diárias. Mas o templo é uma triste ruína por um incêndio fortuito em Agosto de 1959. As paredes mostram ainda a horrível destruição, com lampejos da antiga magnificência. O fausto ardeu; ficou o labor e o fervor. Sob as horríveis cicatrizes da catástrofe, a vida de fé continua impassível. Esta é a grandeza da Igreja, sucessivamente demolida e sempre renascida. O sacrário de S. Domingos é de um dourado esplendoroso circundado por anjos desfigurados e mutilados. Os fiéis não olham nem o ouro nem o destroço, mas dentro.

 

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João César das Neves
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Acaba de ser nomeada a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário
da República. Apesar dos problemas e percalços, o nosso regime merece
celebrar cem anos com festejos serenos e elevados. Afinal a nossa é a
República mais longa da Europa depois das pioneiras mundiais, a "mui serena
República de San Marino" com 1700 anos e a Suíça de 700 anos. As demais, ou
começaram depois ou foram interrompidas entretanto.

Só graças à revolução de 1974 é possível celebrar condignamente a revolução
de 1910. A turbulência inicial e a ditadura seguinte puseram-no em risco,
mas a actual democracia olha com confiança o passado e esperança o futuro.
Os festejos devem marcar essa tranquilidade. Só questões de regime e
religião a poderiam ensombrar, mas sem razões para tal.

Celebrações da República serão sempre dolorosas para os monárquicos. Mas o
seu patriotismo deve regozijar-se com a paz que hoje rodeia a questão do
regime. O século XIX viveu em permanente sobressalto, entre absolutistas e
liberais, monárquicos e republicanos. Ganhamos muito por, mal ou bem, a
questão ser agora pacífica.

Quanto ao tema religioso vivemos duas gerações após Afonso Costa dizer no
Grémio Lusitano a 26 de Março de 1911 que "em duas gerações terá eliminado
completamente o catolicismo" (O Tempo, 27 de Março de 1911). A verdade é que
a Igreja viveu melhor nos cem anos da República que nos dois séculos
anteriores.

Muitos esquecem como o abraço sufocante do absolutismo e o estrangulamento
cínico do liberalismo foram terríveis para a fé. É verdade que se pode dizer
que Afonso Costa fez pior que o Mata-Frades e Salazar instrumentalizou mais
que Pombal. Pode falar-se dos problemas da actual Concordata e dos
obstáculos tolos à acção da Igreja. Apesar disso, nos últimos 300 anos só a
nossa República viveu verdadeira liberdade religiosa.

Celebra-se, não a violência cruel e tonta, mas o espírito cristão com que
foi suportada. Prova-o logo a Pastoral Colectiva do Episcopado português de
24 de Dezembro de 1910, com que os bispos reagiram à terrível perseguição
(agora republicada em Síntese - revista de actualidades eclesiais de D.
Serafim Ferreira e Silva, n.º 188-190, Jan.-Jun./2008).

No documento os prelados começam por dizer-se "acusados por vezes de
demasiada prudência e longanimidade" (I) e até afirmam que "nos é agradável
aplaudir algumas medidas do Governo Provisório" (III). Mas asseguram que
"angustiosa, gravíssima é a crise por que está passando a nossa pátria sob o
aspecto religioso" (I). Citando autores tão variados como Pasteur e
Bismarck, Montesquieu e Gambetta, os bispos fazem profunda análise e cuidada
fundamentação, tratando serenamente os terríveis estragos na educação e
saúde, pobreza e aldeias, colónias e famílias.

A conclusão é clara: "Em face das instituições actuais qual é o dever dos
católicos portugueses? Acatá-las, sem pensamento reservado" (III). Os padres
devem "tomar sumamente a peito os interesses do povo, particularmente os dos
operários e dos jornaleiros agrícolas" (IV). O texto quase considera a
perseguição como normal: "Devemos porventura estranhar que assim suceda?
Poderá a luta actual causar-nos surpresa? (...) [A Igreja] desde que nasceu,
não conheceu tréguas (...) E venceu! Como? Resistindo? Revoltando-se? ...
Não! Sofrendo" (I).

O nosso tempo precisa de novo desta verdadeira atitude cristã. Lisboa tem
dela um símbolo insólito mas evidente. A Igreja de S. Domingos ao Rossio é
das mais movimentadas do País, com milhares de pessoas diárias. Mas o templo
é uma triste ruína por um incêndio fortuito em Agosto de 1959. As paredes
mostram ainda a horrível destruição, com lampejos da antiga magnificência. O
fausto ardeu; ficou o labor e o fervor. Sob as horríveis cicatrizes da
catástrofe, a vida de fé continua impassível. Esta é a grandeza da Igreja,
sucessivamente demolida e sempre renascida. O sacrário de S. Domingos é de
um dourado esplendoroso circundado por anjos desfigurados e mutilados. Os
fiéis não olham nem o ouro nem o destroço, mas dentro.