sexta-feira, 11 de julho de 2008

Casal luta na Justiça para que os filhos só estudem em casa

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Folha de S. Paulo, sexta-feira, 27 de Junho de 2008

Casal luta na Justiça para que os filhos só estudem em casa
Cláudia Collucci

Um casal de Timóteo (216 km de Belo Horizonte) luta na Justiça pelo direito de ensinar seus filhos em casa. Adeptos do homeschooling (ensino domiciliar), movimento que reúne 1 milhão de adeptos só nos EUA, eles tiraram os filhos da escola há dois anos, o que é proibido pela legislação brasileira. Eles atribuem a decisão à má qualidade do ensino do país.

Cléber e Bernadeth Nunes respondem a processos nas áreas cível e criminal - se condenados, podem perder a guarda dos filhos. Ontem, na audiência do processo criminal movido contra eles, por abandono intelectual, o juiz Ronaldo Batista ouviu Davi, 15, e Jônatas, 14, que garantiram não terem sido obrigados pelos pais a deixarem a escola.

O próximo passo determinado pelo juiz será uma avaliação sócio-educacional dos meninos feita por peritos. Também foram arroladas duas testemunhas de defesa do casal. Ainda não há uma data prevista para a próxima audiência.

Cléber e Bernadeth respondem também a uma acção cível por infringir o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que já resultou em uma condenação: pagamento de multa de 12 salários mínimos e obrigação de rematricular os filhos. O casal recorreu da decisão.

"É um absurdo. Estão tratando a gente da mesma forma que tratam os pais que negligenciam a educação dos filhos, que os retiram da escola para pedir esmola nos sinais", diz Nunes, 44, designer gráfico autodidacta, que abandonou os estudos formais no primeiro ano do ensino médio. A mulher é decoradora e cursou até o segundo ano da faculdade de arquitectura.

Para demonstrar que o ensino em casa é eficiente, Cléber Nunes diz ter incentivado os filhos a prestar o vestibular na Fadipa (Faculdade de Direito de Ipatinga), escola particular da região, no início do ano. Eles foram aprovados em 7º e 13º lugar. O resultado virou peça de defesa no processo.

"Meus filhos estão muito mais adiantados nos estudos do que se estivessem na escola", garante o pai. Segundo ele, a rotina escolar doméstica começa às 7h com a leitura da bíblia. "Não temos uma religião definida. Não somos nem católicos, nem evangélicos."

Nos EUA, o homeschooling é praticado por grupos religiosos.

Os meninos aprendem retórica, dialéctica e gramática, aritmética, geometria, astronomia, música e duas línguas estrangeiras - inglês e hebraico. Ao todo, estudam em média seis horas por dia.

"Podemos fazer muito mais por eles do que o ensino que estavam recebendo na escola pública. Todo mundo sabe que a escola brasileira vive uma deficiência crónica", afirma Nunes.

O Ministério Público diz que o casal violou princípios constitucionais e contrariou o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que exigem matrícula no ensino formal.

Os Nunes foram denunciados ao Conselho Tutelar em 2007 por um morador da cidade. "Vamos lutar até as últimas consequências pelo direito de educar nossos filhos", diz Nunes, que tem uma filha de 1 ano.

O homeschooling é regulamentado em países como Canadá, Inglaterra, México e alguns Estados dos EUA. Ao todo, 2 milhões de crianças seguem esse sistema de ensino, segundo a Unesco.

Educadores afirmam que a função da escola vai muito além do ensino e que o convívio escolar tem um papel importantíssimo na vida da criança e do adolescente.
Justiça vetou pais de ensinar filhos em 2001

O caso da família Nunes não é o primeiro que chega à Justiça brasileira. Em 2001, o casal Carlos e Márcia Vilhena Coelho entrepôs um mandado de segurança para garantir o direito de ensinar em casa três filhos com idades entre seis e nove anos.

As crianças, apesar de formalmente matriculadas no Colégio Imaculada Conceição, de Anápolis (GO), nunca haviam frequentado regularmente a escola. Estudavam em casa e só iam ao colégio para a entrega de trabalhos ou para fazer provas.

Na época, os Vilhenas receberam manifestações de apoio de vários países onde o homeschooling é regulamentado. Agora, Márcia Vilhena e seu filho mais velho serão testemunhas de defesa dos Nunes.

No início deste mês, o deputados federais Miguel Martini (PHS-MG) e Henrique
Afonso (PT-AC), realizaram um protocolo de projecto de lei na Câmara que regulamenta a educação domiciliar no país.

 

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terça-feira, 1 de julho de 2008

O SUICÍDIO DEMOGRÁFICO

O SUICÍDIO DEMOGRÁFICO

 

O declínio da população europeia parece irreversível. Dentro de cinquenta anos, viveremos na feliz “Eurábia”. Com as taxas de natalidade actuais, a população da Europa será reduzida a metade no curso de uma geração.

O historiador Arnold J. Toynbee dizia que se escrevem poucos livros sobre a morte de uma civilização, e por uma boa razão. Muito raramente existe um assassino: em geral, trata-se de suicídio. A América está destinada a "ficar só" na luta contra o ultrafundamentalismo islâmico não – ou não apenas – porque a maioria dos governantes europeus esteja com medo ou indisposta para o combate. Ficará sozinha tecnicamente, porque dentro de menos de um século os europeus não existirão. Serão varridos pela demografia assim como o foi o império romano, que não caiu porque as suas compactas legiões se tivessem tornado menos compactas, mas sim porque, com a prática difusa do aborto e do infanticídio, já não eram constituídas por legionários romanos. Alistavam-se bárbaros, proclamando-se apressadamente, talvez, cidadãos romanos. E, quando perceberam que estavam em maioria, tomaram o poder.

Essa é a tese de Mark Steyn, no seu "America Alone: The End of the World as We Know it" (Regnery, Washington 2006), o livro mais importante de 2006, do qual se espera uma rápida tradução portuguesa.

O tema do livro é aquele que o Papa João Paulo II chamava desde 1985, com expressão destinada a passar à História, de "suicídio demográfico" do nosso continente. Por todo o mundo o que deixa os não-europeus perplexos é que na Europa este tema dramático não esteja no centro do debate cultural e mesmo das campanhas eleitorais. Nenhum país da Europa Ocidental possui uma taxa de fecundidade por mulher que corresponda ao nível mínimo de manutenção da população (2,1 filhos por mulher) indicado pelos demógrafos.

Certamente, as estatísticas poderão ser alteradas concedendo-se a cidadania aos imigrantes, mas trata-se de um truque que já foi tentado com resultados ruinosos no império romano. Transformar os "bárbaros" em cidadãos por meio de lei não fazia deles cidadãos romanos culturalmente, assim como transformar imigrantes muçulmanos ou chineses em cidadãos europeus por decreto não significará fazer deles europeus pela cultura e pela integração.

Do "suicídio demográfico" se ocupam muito os economistas, sobretudo aqueles especializados em previdência social. De facto, na Europa Ocidental – não obstante todos os países procurem adiar ao máximo possível a idade de aposentação – cresce inexoravelmente o número de aposentados e em diversas regiões cada trabalhador já suporta o encargo de dois aposentados.

Algum entusiasta do "modelo europeu" pode pensar – ainda que poucos tenham a coragem de o dizer – que a eutanásia à moda holandesa vai dar cabo dos velhos inúteis e resolver o problema. A recusa da classe política de muitas nações europeias a recorrer às drásticas reformas sugeridas pelas instituições financeiras internacionais parece não decorrer tanto da compaixão pelos aposentados – ou do desejo de não perder os seus votos, visto que em breve serão a maioria dos eleitores –, mas de estar a esconder a cabeça na areia diante da dramática urgência do problema demográfico.

Não há nenhuma garantia de que as civilizações durem para sempre. O seu modo normal de morrer é precisamente o demográfico. Além do aborto e do infanticídio, os romanos da decadência praticavam uma forma primitiva de eutanásia (por certo distante daquela em camisola branca dos Países Baixos de hoje), que consistia em abandonar os anciãos doentes sem os tratar ou alimentar. Os bárbaros chegam quando estas práticas já haviam enfraquecido o império de Roma, de cujas ruínas surge a civilização dos cristãos que não praticam o aborto e que cuidam dos velhos e doentes. Mas desta vez o que vai surgir das ruínas da Europa?

Não é necessário citar os fundamentalistas islâmicos e a invasão muçulmana frustrada pela via militar em Poitiers, Lepanto e Viena que será bem sucedida no século XXI pela via demográfica, para perceber que a civilização européia se arrisca a sofrer o mesmo destino da romana.

Nesse meio tempo – e sob este ponto de vista o livro de Steyn é também divertido – os políticos europeus escondem os crucifixos e os presépios para não incomodar os muçulmanos, ou dedicam o seu tempo a discutir se ensinar os homens europeus a urinar sentados e não em pé, com a consequente abolição dos mictórios, "último refúgio de um machismo patriarcal", não poderia contribuir para acentuar a igualdade entre homens e mulheres e a comprazer as feministas!

O mesmo escritor atribui o suicídio demográfico à "falta de confiança na própria civilização". A meu ver, uma expressão mais precisa é aquela do Papa Bento XVI: "falta de esperança". Depois de haver perdido a virtude da fortaleza, a Europa perdeu também a esperança no futuro. A civilização que não espera não faz filhos: mas são exactamente as civilizações destinadas a desaparecer. O desaparecimento de Roma não significou o desaparecimento da melhor parte da sua herança: havia um São Bento para recolhê-la. Hoje, parece que só um outro homem chamado Bento se ergue entre a Europa e o seu suicídio anunciado por Steyn.

 

José António Ribeiro de Carvalho

Ermesinde