domingo, 20 de maio de 2007

1968, o ano que terminou em 2007

Folha de S. Paulo, domingo, 6 de maio de 2007

1968, o ano que terminou em 2007
Clóvis Rossi

Paris - O rosto e o sorriso, bonitos, de dentes bem brancos, são os mesmos
de sempre. O slogan é também o mesmo: "La France présidente - Ségolène
Royal", com o "présidente" no feminino (o masculino não tem o "e" final).
Mas mudou a cor nos cartazes e folhetos de propaganda da candidata
socialista à Presidência da França: saiu o vermelho, saiu até o rosa, entrou
o azul.

Como o vermelho é a mais clássica cor da esquerda, a sua substituição acaba
sendo todo um símbolo: os filhos (ou netos) do Maio de 1968, o ano de todas
as revoltas, desbotaram.

Já não se grita "seja razoável, peça o impossível". A única e modestíssima
utopia que o socialismo francês propõe agora, quase 40 anos depois da última
revolução no planeta, ainda que inacabada, é construir "um país de
empreendedores", como disse Royal no debate com o direitista Nicolas
Sarkozy, na quarta-feira.

Os herdeiros, presumíveis ou reais de 1968, vêm, na verdade, desbotando há
algum tempo, desde que ruiu o Muro de Berlim, em 1989. O que permite a
Sarkozy pedir publicamente que se pregue o último prego no caixão do
mitológico "mai 68".

Hora da ordem

Para ele, no mais ortodoxo raciocínio da direita, "os herdeiros de Maio de
68 impuseram a ideia de que vale tudo, que não há diferença entre o bem e o
mal, entre o certo e o errado, entre o belo e o feio; tentaram fazer crer
que o aluno vale tanto quanto o professor, (...) que a vítima conta menos
que o delinquente, que se acabara a autoridade, que não há nenhuma norma,
nada estava proibido".

É paradoxal que, do outro lado do arco-íris ideológico, da esquerda pura,
venha outro necrológio de Maio de 68, elaborado por Didier Eribon, hoje
professor de Filosofia em Berkeley (Califórnia), ex-jornalista da revista Le
Nouvel Observateur, em um livro sobre o que chama de "revolução
conservadora" e seus efeitos sobre a esquerda francesa.

Em entrevista ao jornal Le Monde, historicamente próximo dos socialistas,
Eribon constata: "As pessoas que tinham 20 anos em Maio de 1968 chegam a
postos de responsabilidade e se engajam em uma sorte de reconversão
profissional de seu engajamento militante: tornam-se jornalistas,
publicitários, conselheiros de estratégia de empresas ou entram em postos
ministeriais. Renunciam ao fervor crítico e se reconciliam com a ordem".

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