quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

A cidade sufocada

O Globo, quinta-feira, 15 de Fevereiro de 2007

A cidade sufocada
Cora Ronai

Como qualquer pessoa que mora no Rio, eu também não aguento mais ler, dia
após dia, notícias sobre a violência sempre crescente na cidade.

Quando a gente acha que pior do que está não pode ficar, acontece um caso
como este terrível martírio do menino João Hélio, que nos parte o coração já
despedaçado. É o fundo do poço? Não dá para saber: escrevo na terça-feira, e
não sei o que poderá acontecer entre este momento e aquele em que o leitor
terá o jornal em mãos. Nosso poço não tem fundo. Há sempre outro, mais
fundo, até o inferno.

Desta vez, porém, algo se sobrepõe ao sentimento de impotência que me toma a
cada nova atrocidade. Além do horror diante dos assassinos, sinto um
desgosto absoluto com os que defendem o famigerado Estatuto da Criança e do
Adolescente, com os que se recusam a discutir a redução da idade penal e,
mais ainda, com os que, contritos de sacristia, batem no peito, abrem a boca
suja na retórica das entrevistas, e atribuem a culpa da barbárie à
"sociedade". À qual, é evidente, não pertencem.

O mais santo dos cidadãos começa a rever suas ideias sobre pena de morte,
sobre cidadania que só atinge criminosos, até mesmo sobre desforra física. E
chegamos lá: afinal, pelo menos em pensamento, somos todos bárbaros. Todos,
claro, excepto os inocentes do bom-mocismo, lemingues sem consciência que,
por isso mesmo, dirigem seus carros blindados directo para o abismo.

Se um dimenor (expressão jocosa e sinistra para menores de 18 anos) não pode
ser punido porque é uma pessoa em formação, como é que se dá a esse mesmo
dimenor o direito do voto?! Se ele não está preparado para assumir
plenamente as suas responsabilidades de cidadão, como é que pode exercer o
direito máximo da cidadania, que é a escolha de quem vai dirigir o país? Eu
gostaria muito que qualquer desses génios da sociologia e da jurisprudência
que defendem tratamento especial para criminosos de 16 anos me explicasse
essa contradição. De preferência dona Ellen Gracie: uma senhora sempre tão
bem maquiada, que tão bem sabe explicar por que os seus coleguinhas
meritíssimos precisam daqueles aumentos salariais, haverá de ter uma
explicação perfeitamente compreensível para uma distorção dessas.

Como seria de se esperar, todos voltam a bater, mais uma vez, nas teclas da
educação e da impunidade. A educação é a base de qualquer sociedade
saudável, mas é uma medida de longo prazo. Deve-se falar em educação sempre.
Deve-se cobrar melhores condições de ensino e de aprendizado dos governantes
e, sobretudo, exemplos mais edificantes do que os que nos são oferecidos
diariamente no mar de lama e de corrupção em que se transformou o país. Mas
falar em educação quando não podemos mais sair às ruas é mais ou menos como
falar em prevenção a incêndios quando já tem gente saltando lá de cima e
passando pela nossa janela, enquanto as chamas chegam ao pé da cama.
Precisamos é chamar os bombeiros, os "heróicos soldados do fogo", se eles
também não estiverem ocupados nas milícias.

Mas é óbvio também que um caso como este, que chocou o país, está longe de
ser consequência da impunidade generalizada. Sem punição as pessoas roubam
mais, assaltam mais, até matam mais - mas não é a falta de punição que gera
monstros como os que arrastaram João Hélio, como os que tocaram fogo nos
ônibus cheios de passageiros, como a Richthofen que matou os pais, como os
filhinhos de família que queimaram o índio em Brasília ou como tantos outros
nos quais já desapareceu qualquer sinal de humanidade. Chegamos ao mal
absoluto, aquele que não tem explicação.
Não estamos falando mais de criaturas ressocializáveis.

Estamos falando de monstros. A prisão para criaturas assim é menos uma
punição do que uma garantia de segurança para a população. Não pode ser
calculada em três ou 30 anos; é caso de trancar a cadeia e jogar a chave
fora.

Em tempo: também já não aguento mais ver tarjas evitando que o rosto dos
assassinos "mirins" seja reconhecido quando sabemos que, no primeiro
indulto, estarão nas ruas matando novamente! O que precisamos é colocar
tarjas no rosto das pessoas de bem, para que não sejam reconhecidas pelos
dimenor.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Martirio del Niño de la Guardia

16/3/07 09:05  

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